Poesias

"A beleza das coisas está no espírito de quem as contempla. " (David Hume)

"É preciso saber olhar para os olhos de uma criança para saber o que vai na alma." (Torrente Ballester)




Poesias II

Semelhante Dança


Trajas na noite um véu colorido…
Cabelos ao vento, em jeito de dança,
Peitos pequenos, vestido comprido,
Rodopia singela, pequena criança.

No ritmo da música, balança o corpo
Levanta os dedos cobertos de anéis.
Pezinhos de fada, tamanha energia…
Consegue proeza, parece magia!

Conduzindo a dança em palmas finais,
Dança tão livre, junto à fogueira.
Movimentos únicos, tão sensuais!
À luz do fogo, junto à clareira.

Movimento dos braços, brilho no olhar,
Dobrando o corpo, sem hesitar.
Reflecte na face um pequeno sinal,
Magnitude beleza de invejar.

A lua admirando, o corpo pequeno
A chama que arde, a noite engana.
Dançam contigo estrelas cadentes,
Moça menina, pequena cigana.

Carla Bordalo



O Nome da Rua


A rua onde moro, já tem nome
escrito numa placa
igual a tantas outras placas
espalhadas no país dando nome
à rua onde moras.
Os senhores que dão nome às ruas
ilustram-nas com nomes
de Rua Visconde da Luz, em honra do mesmo,
Rua da Alegria, tristeza não seria!
A rua onde moro também podia ter um nome assim,
como Rua da Fonte Nova, se os senhores,
aqueles senhores que deram nome
à rua, o quisessem.
E se a minha rua tivesse o nome de fonte
eu sentava-me nela e diria que era minha.
E escreveria sobre a fonte, a água, a lua, o dia,
as flores e até sobre a rua.
Poderia inspirar-me nas ervas que lá crescem, nas pessoas que lá passam...
E recitar para elas.
Nada me impediria.
Mas os senhores que dão nomes bonitos às ruas,
escreveram na placa, Estrada Principal,
honrando assim a Rua Principal que lá havia.
Confrontados os senhores
com tamanha originalidade,
na hipótese de surgir a travessa, beco ou quelha Principal!
E se bonito não estava pouco ou nada melhorou
pois de Estrada Principal
para Rua Estrada Principal alterou.
E quando esses senhores da junta, a morada perguntarem
eu nem sei se lhes diga
Rua da estrada ou Estrada da rua.

Carla Bordalo



Que Importa se Tudo é Poesia


Que me importa se meus humildes poemas não aprovas
Em palavras depositadas e já compostas, gastas por poetas
Usadas e reviradas, escritas, lidas e memorizadas!

Que me importa se o verso não brilha
Quando escrevo o que penso, amo e sinto
Na revolta da dor, perda, incertezas, sofrimentos e amor em nada rima.

Mas que me importa isso se escrevo com vaidade
Em momentos inspirados, encontrados e perdidos
Nesta vida desordeira em que cabe a minha vontade?

Que me importa se não gostas da minha inspiração
Em que elevo onde quero, preciso, sinto, desejo e avanço
Nessas coisas tão singelas e pequenas que me dão satisfação.

Que importa se não escrevo em ricas, elaboradas e sofisticadas palavras
Se tenho ao meu redor cores, flores, Natureza e pardais
Pessoas, cão, gato, caracóis, e para rimar: Tantos animais!

Quero lá saber que não gostes da mais íntima fantasia
Que me passa pelo corpo, em momentos tão felizes, repetidos
Em que reescrevo com alento em plena nostalgia.

Muito menos me incomoda se olhas com desdém
Quando passas em versos, simples e gastos de palavras
Escritos com alma, sentidos no corpo, profundos de alguém.

Quero lá saber do desprezo sentido na morte embebida
Das tuas palavras abastadas, coloridas e ocas da boca largadas,
Degolando o silêncio da calma, ruído no alento em fala retida.

E muito menos incomoda ao trovador idealista,
Que génio não o sendo, em palavras deposita um efémero pensamento
Dedicando a quem ama com íntima elevação, toda a sua poesia.

Carla Bordalo



Quero estar


Quero saber
O que comes
Bebes
Mastigas
Em almoços frios
Inundados de palavras
Ocas
Vazias
Ridículas
Expostas no ar
Incomoda quem passa

Quero escutar
Se te calas
Ouves
Ou absorves
Em pensamentos por revelar
Recolhidos na alma
Pensando
Meditando
Rezando
No interior do ânimo
Silêncio da paz

Quero sentir
Se sofres
Sentes
Ou atendes
Em histórias vividas
Prosas perdidas
Curtas
Feitas
Frias
Lançando rancores
Expresso na terra

Quero olhar
O que vês
Miras
Admiras
Em natura inteirada
Rio perdido
Sofrido
Calado
Amargurado
Lágrimas sentidas
Água que corre

Quero voar
Se libertas
Sonhas
Imaginas
Em universo descalço
Sonho pendente
Foges
Agitas
Vibras
Olhos brilhantes
Frases ausentes

Quero estar
Se estás
Inconstante
Presente
Em repletos momentos
Pedras desertas
Quieto
Parado
Achado
Estima unida
Mente tranquila

Carla Bordalo



Acentuado Egoísmo


Egoístas são aqueles que não amam, que nada sentem…
Não olham com amor a natureza e não a pintam,
NA tela branca que espera que se preencha… nada tem!

Nem a vivem, nem a marcam, nem a expõem.
E na madrugada quando o sol nasce, é tudo igual
Movem membros indiferentes sem andar e sem pintar,
De reparar, sem se esforçar!

De olhar ao redor, miram no tudo que assistem, e nada vêem!
E nada criam, nada deixam, transmitem, nem se importam…

Pintando o banal da vida, e é se vivem… com coragem, com suor…
Representando no que têm, que sentem… sem de facto o sentirem
O despropositado de tudo, somos nós, pessoas, mais ninguém.
Por mais precioso que a natureza nos mostre e transmita,
O que ronda à nossa volta, a família, diamante e dinamite!
Ser egoísta é aquele que não repara
Imaculado no que tem, não vive, nem tenta
Transpondo na tela dores e trambolhões inexistentes
Ou perguntas ou afirmas… artista ou egoísta?

Carla Bordalo


Primavera, Quase


Abrindo a janela num desses dias
Brilhantes do mês de Fevereiro
Em que o sol, ansiedade transporta
A pressa que chegue o Março soalheiro

Por todo o lado, os pássaros cantam
Chilreiam felizes neste belo dia
Primavera sentida na madrugada
Tão perto que sentem a sua chegada

Voam e pousam por todo jardim
Bebendo a água da relva molhada
Que a noite anterior e fria deixou
Num manto estendido em terra regada

Salpicam de vida as cores do Inverno
Enfeitando as árvores despidas de folhas
E num esvoaçar preenchem o verde
Colorindo o céu num dia incerto

Preparam folhinhas largadas no solo
No bico pequeno seguram raminhos
Na ida e volta do campo ensopado
Voam bem alto, aprontam os ninhos

Picando a terra buscando alimento
Descobrem minhocas escondidas no chão
Encontram lagartas, pequenos insectos
Transportam pesadas migalhas de pão

E se o sol radiante, continuar a brilhar
Durante a tarde e assim perdurar
Aproveitam o dia em voos constantes
Espelhando as asas em pedras brilhantes

Carla Bordalo


Uma Rosa para Ti


Mulher que passas na rua
Onde vais com essa flor?
Vou deposita-la na eterna
Residência de meu amor…

Espera também por mim
Dá-me tempo de colher,
Algumas rosas e flores
Que brotam no meu jardim.

Seguindo lado a lado
Acompanho na calçada,
A mulher de negro escuro
Com ela faço a caminhada.

Saem palavras de arrasto
Em lábios “pardos” sem cor:
Já passaram alguns anos,
Que levaram meu amor…

Vertem lágrimas dos olhos
Derramando tanta dor…
Na sua filha perdida
Em mãos de um tal traidor.

De um coração vazio
Saem sons de danação
Para alguém que lhe roubou
O mais que tudo, sem razão!

Caminhando lado a lado
Nem queria acreditar,
Do rancor exagerado
De um namoro a terminar.

Rasgado em linhas do tempo
Saem nódoas de uma mãe:
Como pode aquela alma
Tirar a vida de alguém…

Vagueando na calçada
Serrando a dor e o vento…
Fechou a minha querida filha
Tantas horas no apartamento!

E por momentos parou
Sumindo o rosto no avental…
Recordo os golpes que levou
Desferidos do punhal…

Deitando os olhos ao Céu
Perdidos na Luz do dia:
Ninguém por ela passou
Ninguém por ela acudia…

As mãos seguram no coração
A rosa branca caiu…
Rapaz carrasco de mim
Não terás qualquer perdão!

Os joelhos caem pelo chão
Quando a rosa tenta apanhar…
Da janela saltou arrependido
Para também ele se matar!

Baixou o rosto ferido
Em saudades consumido:
O coração já não palpita
Tão nova e tão bonita…

Deixou-se ficar caída
De emoções desprovida…
Vida inteira pela frente
Tão jovem e resplandecente…

Nos espinhos dessa rosa
Fecha as mãos suavemente…
Menina minha amorosa
Que partiste para sempre!

Arrastando um breve olhar
Às mãos sujas de sangue,
Crueldade desmedida
Em famílias nunca manche!

Em saudades de ti, Maria
Entregámos-te a Jesus.
Uma amada e única filha;
Querida amiga, Maria da Luz.

Carla Bordalo



Escrava da Língua


Mulher que te sentas
Nos degraus das escadas
Com tuas comadres,
Da vida alheia
Das gentes que passam
E delas falando…

Em dias de sol
Na sombra estás
Sentada, postada
Vendo quem anda
Nas lidas da vida
P’ra frente e p’ra trás!

Sem dó, nem piedade!
Por mais doce que seja
O sumo da laranja,
Mulher de idade…
Da tua boca só saem
Amargas palavras.

Maldita mulher,
Que tanto inventas
E juras saber
Da vida dos outros
E pés juntos rezas…
E quem tanto desprezas.

Comadres sentadas
Naquelas escadas…
Atentas meninas solteiras
De casa não saiam
Que dessas mulheres
Serão prisioneiras!

Mulher venenosa
Que tanto sorris
Desdenhas da forma
Que a vida nos toma
Pensando malvada
Que és algum juiz.

Mulher desprezível
Que sonhas de noite
Descobres segredos,
Inventas histórias,
Com tuas comadres
Situações irrisórias.

Calcada no tempo
Enfeitas a fala
Malvada que és,
Cuspindo veneno
A cobra serpente
Nem chega a teus pés!

Mulher tão profana
Escrava da língua,
Não tens coração.
Um dia ainda vou
Lavar tua boca
Com água e sabão!

Carla Bordalo



Rabinhos Perfeitos

Onde param os Entrudos
Nas terras de Portugal
Corridos por tantos anos
Em fantasias, sem igual

A malta à rua saía
Há alguns anos atrás
Tapados até aos dentes
E já nada é como dantes

Passeavam pelas ruas
Os melhores mascarados
Metendo-se com as meninas
Novas, velhas e vizinhas

O Entrudo lá corria
Nem ninguém perceber
Identidade mascarada
Não se dava a conhecer

E com tantas macacadas
Tudo era animação
Cabeçudos e Entrudos
Renascia a tradição

Entre susto e caras feias
Lá se andava disfarçado
Entre tantas brincadeiras
Gargalhadas lado a lado

Pelas ruas lá passavam
Fadas, bruxas ou políticos
Das sátiras todos gostavam
Nos enormes cabeçudos

Corríamos o Carnaval
Com partidas sorrateiras
Ninguém vai levar a mal
Perdoando as asneiras

Engraçado de se ver
O desfile lá passava
Pelas ruas da terrinha
A ninguém nada cobrava

Em dias do nosso Entrudo
Faz por cá tamanho frio
Visto sempre o sobretudo
E da desnudem me rio

Mas gosto de ver passar
Um “Rei” do Carnaval
Trazido lá do Brasil
P’ra tremer em Portugal

De calcinha e sutiã
Corpo nu a tiritar
Tanta festa, tanta cor
Tanto frio, a acompanhar

Alta música, alto ritmo
Tanta “carne” a dançar
O samba do teu Brasil
P´ra maminha abanar

Gordos, feias e beldades
Tudo lhes é permitido
De carnavais bem alheios
Tudo isto é consentido

Eu por cá, já vi de tudo
Com nada cobrem os peitos
Mas eu gosto é de ver
Os rabinhos mais perfeitos.

Carla Bordalo



Idiota Prazenteiro


Passaste por mim na rua
E bem me viste, que eu sei
Entre laços e bordados
Grandes fios de ouro lei

Passaste como quem passa
De soberba ironia
Como se fosse tudo teu
Incluindo este dia

De cachaço levantado
Lá te vejo eu andar
Nariz grande e empinado
Como bestas a pastar

Passaste por mim na rua
Exigindo algum respeito
Com olhos sujos e gastos
De pinturas e despeito

Passaste com aquele olhar
Tresloucado e com mania
Devorando tudo e todos
Desde a noite até ao dia

A quereres ser bom demais
Não vales tu nem 10 reais
Vejo-te agora espezinhar
Quando amanhã, vais chorar

De Idiota prazenteiro
Com mania do dinheiro
Não sabes tu, cruel parvo
Que a falsa fama tem prazo

Na rua te vejo passar
De soslaio e malcriado
Sem reparares que vestias
Um casaco esfarrapado

Carla Bordalo



Coração Ausente


E se meu coração voasse
E ninguém o apanhasse…

O maroto voaria,
Sem ter asas p´ra voar.
Dia e noite
Noite e dia

E depois o que seria…
Sem razão tão aparente.

O danado voaria,
E o teu encontraria…
Dia e noite
Noite e dia

E de mim ele fugiria…
Sabem lá como seria,

Um coração ausente!
Seria grande a agonia,
Dia e noite
Noite e dia

E se ninguém o encontrasse,
Tão triste eu ficaria!

Sabem lá, o que seria…

Carla Bordalo



Pessoas da Terra


Pessoas da terra que andam na rua,
Cedo despertam em madrugada crua;
Pela manhã, os campos lavrarem
Almoços rápidos, sem descansarem.

Sentadas na sombra do quente Verão,
Vizinhas conversam, agulha na mão
São gentes do campo, na tarde a chegar,
Rápido se apressam p´ras hortas regar.

Nozes vendidas, semear o grão,
Milho, trigo, amêndoa e feijão.
Vindimas à porta, tanto a colher!
Esmagar as uvas p´ro vinho fazer.

Lareiras em casa, neve a gear,
A chuva e o frio não vão perdoar.
Castanhas cozidas, assadas ou cruas…
Já temos as árvores despidas e nuas.

O Inverno aparece quase sem avisar,
Rápido e agreste toca a arrecadar
Azeitonas das árvores, o gelo no chão
Azeite quentinho amolece no pão.

A Primavera chega aos campos da Penha
Num verde manto, cobrindo a azenha.
Mistura na terra todas as cores
Deliciem-se ovelhas com tantas flores!

Dia após dia, as lidas são cheias…
Olhai p´los meus, Senhora das Candeias.
Domingo de missa, abençoado dia!
Padroeira da terra, ilumine em vida.

Carla Bordalo