Poesias

"A beleza das coisas está no espírito de quem as contempla. " (David Hume)

"É preciso saber olhar para os olhos de uma criança para saber o que vai na alma." (Torrente Ballester)




Poesias IV

Pediste-me Tu... Amiga, não por Ti, mas por Ela!

Pediste-me tu… Amiga,
Que escreve-se um poema em ti
Escrito para ti, replecto de poesia!
Mas seria outra se o fizesse... hoje não poderia!
Descuidava a amizade na tua bem merecida.
Agora não… Não hoje… não agora!
Hoje não me prende a flor que reflectes,
Apenas relembro das rosas desfolhadas e… acabadas!
Aquelas pétalas folhadas por renascer.
Agora… Não por ti! Mas por ela!
Mas em especial momento em que te poderei dedicar ou escrever,
Para ti algum poema merecedor dos teus olhos…
Escreverei nos teus abraços uma amizade,
Merecedora de ti.
Mas se já o fiz…
Bem sei, não por ti… Amiga!
Sei que também o és, mas… também ela o foi!
Martírio meu, que já se foi… aguarda…
Já se perdeu na minha alma geminada que ainda existe!
Acalma….
Poderei descrever para ti um teu merecedor sorriso… só teu!
Mas não agora!
Como és,
Compreende amiga…
Agora ainda não estou preparada,
Para receber inovada alma geminada,
Noutro dia…
Em novo dia, descrever-te-ei!
Sentir-te hei!
Mas não hoje…
Hoje nem me sinto merecedora
De qualquer amizade duradoura.
Já cá não mora, o que existiu outrora!
Partiu e foi embora!
Nunca o quis…
Punhal da aurora!
Estarei para ti… Mas em nova hora,
Aqui.
Prometo…
Mas não agora!

Hoje é para ela…

Carla Bordalo


Maria da Manta

Vidas vividas na velha aldeia
Um pouco dela feia,
Despida por dentro. E no entanto,
Tantos contos a espreitar às janelas
Viradas para as ruas quase desertas
Em que quase ninguém passa.

Todos se lembram dela!
As crianças todas o souberam ser
De ternas infâncias.
Livres passarinhos!
Em brincadeiras velozes,
Até anoitecer… devagarinho.

As fontes acolhiam os rostos
Cansados, dos novos e velhos… alguns estoirados!
De tanto trabalho sacrificado
Desde a manhã em escassas águas
Que nos lavavam
De Verão em frescas nascentes.

Agora tudo é diferente!
Já não há crianças a brincar
Junto às antigas fontes. E os avós
Não precisam assustar
Os mais pequenos ficando sós,
Com o conto da “Maria da Manta”.

Personificação de gente,
De algo que vivia dentro das profundas águas
Levando ao fundo, as crianças mais curiosas
Em seu manto envolvente.
Incutida a ideia mantinha a distância
Evitando a queda e o afogamento.

Agora, já ninguém lá cai.
Agora já ninguém vai beber a água da fonte,
Nem esperar que nasça limpa e fresca…
E escorra de mansinho para a ribeira
Onde as mães lavavam os cueiros
E as roupas apenas em dias soalheiros.

Carla Bordalo



As Peças Que Vou Queimar


Para que me serve um canivete verde e afiado,
Se nada o quero num desajeitado recortar?

Para que serve um papel branco, isento
Se não existe uma tinta preta suficiente para o marcar?

Para que quero eu, um guache repleto de tinta azul na venda,
Em copo de água mascarado, se não compro um pincel para o pintar…
Ou aguarás para o limpar?

Ou mesmo uma borracha branca
Se nada quero pretendo apagar?

E para que servem as folhas d´um livro branco
Em letras bem talhado, esbranquiçado de um dos lados?

Colorido, engrandecido, mesmo sem ser paginado…
Em negros pontos, pigmentados, quase rasgados… resgatados!
Em pixéis inaproveitáveis das fotos dum Zé Ninguém?

E se for um lápis de carvão
Com o qual não quero desenhar?

E para que me serve um marcador
Do mais fino castanheiro das nogueiras separado?

Transformado… em esculturas esmigalhado , em traços representado.
Expostos em desvarios direccionados em arquivar,
Nas peças que vou queimar?

Carla Bordalo




Pedaço de Gente!


Por onde andas tu, pedaço de gente?
Que talhas os outros
Como quem corta em fatias um pão,
Bem fino em pequenas talhadas…
E sem o queimar, o dás a um cão!

Embebes dos sonhos dos outros
O teu mais perfeito realce!

Pensas que sentes como quem sente,
Na manhã do Orvalho… pedaço de gente!
Mendigas sorrisos;
Como quem rebenta e só atrapalha
Nas ventas do enorme Carvalho!

Sorrisos calcados em espelhos
Pendurados ao teu alcance!

Matador de sonhos inacabáveis
Tu… um escravo do mendigo dos outros!
Palhaço!
Deslumbrante em facadas tão comoventes
Auxiliadas pelos animais que detestas!

Pode lá ser alguém não gostar
De animais… vão-me perdoar!

Não gostas de cães, tu que bem o descreves,
Mestre… desprovido de papagaios
Em jaulas irreais!
Comove-te a dor dos demais?
Daqueles que são tão normais?

Prezado senhor do nada
Aquele que suga… por prazer!
Nem o vives, covarde na desistência de perceber!
E doente lá vais aparando os gritos
Desprezando aflitos…
Careca… isenta de artérias… estúpido!

Gostarias de ser um ministro
No teu pedestal…pequena gente!

Ou que tal… um padre!
Com todas as mordomias assentes?
Todas elas presentes
Trajado de notória velhice
Olha… todos as querem…para sempre!

Teus olhos sorriem...
Enquanto cravas as unhas na minha gente!

Carla Bordalo



Desprovidos de capela

Por lá passavam os grandes sisudos
De cornos vermelhos rangendo a cadela
Emparelhavam cascos de objectos mudos
Gemiam dos cornos a cuspidela
Por cá chegaram os barrigudos
Roendo a palha da larga fivela
Cá vou eu, lá vais tu, a donzela, à remessa
Fujamos agora… com cautela, mas depressa!