Poesias

"A beleza das coisas está no espírito de quem as contempla. " (David Hume)

"É preciso saber olhar para os olhos de uma criança para saber o que vai na alma." (Torrente Ballester)




Poesias V (Sonetos)




Com Amor… Talvez!

Emprestei a mente branca aos sonhos
Num cintilante raio de rispidez.
Da novel haste cedida aos risonhos,
Recebo as bambas peças de xadrez.

Pois se da raiz mergulha o caule
Deixando a viva cor sem lucidez,
Dos espinhos corroídos do teu cardo
Quebrou-se da cegueira a sensatez

Sei de mim, dos meus pecados;
Da mulher que sou sem saltos altos.
E de uma marca que Deus lhe fez.

Pois mais depressa abro mão destes fados,
Numa escolha entre os teus fardos…
E te respondo: Agora, com amor talvez!

Carla Bordalo












Mimos Retalhados


A noite tarda, e, a lembrança agita
Levando ao pó, tabuado ao vento
Risonha d’ água benta, muito aflita
P´la nuvem fresca ao temperamento.

Já se sentem os segredos e os coices
Que teus olhos tive, em meus socalcos.
Já se refrescam os dias em noites
E preparam invernos… encorajados!

Ai, que já se afagam mimos de retalhos!
Vai te embora ó saudade de quem fica,
Que há muito nos encontras por atalhos.

A manhã, acorda abraçada aos negalhos,
Apenas por te ter no peito: minha rica!
Mãe … Desta soneteira em frangalhos!

Carla Bordalo





















Liberdade Para Amar

Escavei na areia do sonho palma
As brumas cálidas da paixão;
As marés encadeadas pela alma,
Desfrutadas na lua cheia d’ ilusão.

As conchas, que bateram na porta
Ao embalo da onda… Ao coração,
Segurei no vento as que transporta
E devolvi-as ao mar, com minha mão!

O canto da sereia, volveu a segredar
A terna brisa da felicidade:
-Pelas asas da gaivota vai retornar!

E alimentei à maresia tal vontade;
Que segurada na doce ostra da liberdade,
Desenhei o mando voo para Amar.

Carla Bordalo
















Do Nascente ao Poente

Nasce o sol eternizando o teu olhar,
Pelas serras esculpidas do teu rosto.
Premiando mais um dia o teu brilhar
Em poesia, teu amor em meu conforto.

Entre nuvens, vem a brisa espreitar…
Ao papel, um rascunho já disposto.
Cai a chuva miudinha a eternizar,
Em fininho papel branco já exposto.

Aqueço ao sol o nascente, minha ombreira;
Junto agora a luz do dia em tua esteira;
Num momento afeiçoado em poesia.

Pois se de torneados mastros de ordeira,
A luz em que te sinto, é verdadeira…
E te encontro no poente, mais um dia!

Carla Bordalo















Um Brinde

Brindemos agora ao rosto lavado,
Com taças Bordeaux de brilho cristal!
Imagem poisada ao confraternal,
Espaço aberto em poema guardado.

Que na busca do tempo atrás deixado,
Nas singulares linhagens do virtual,
Despejamos ao preto veneno… antivíral;
E tudo é lavado, partido e exorcizado!

Vazemos no cálice o açucarado vinho
No beber suave do ser alcançado,
Em postura aberta ao requintado ninho!

E sobre a mesa registo em pergaminho,
Algumas escolhas do meu teclado
Mantendo quente o mesmo cantinho…

Carla Bordalo




















Diz Que Me Amas


No efémero resguardo do momento
Se tua boca não enxergar a minha,
Meus lábios procuram no silêncio
Dos teus olhos alvos pela noitinha.

Um breve sorriso teu numa entrelinha,
Trazido no canto farto do alimento;
No trigo pão e claro como a farinha,
A alma escorre no sangue sumarento!

Pois num só beijo ganho, afortunado;
Acolhida em quente manta de carmim,
Estendo a capa no teu peito… ao pecado.

Pois se me vês no meu lado assim
Distante… em salpico vã apaixonado,
Diz que me amas, que gostas de mim!

Carla Bordalo





















Lenço de Namorados

Teus olhos encantam sereno brilhar
P´la celsa beleza… Oh! Verdejante Minho!
Jardins de Catraias do campo ao mar,
Preenchem saudades no mais fino linho.

Na alma bordei uma estrela a brilhar;
Um coração rasgado, triste e fininho.
Enamorado que partes, leva no olhar
Marcando com lágrimas, este lencinho!

Leva esta carta de Lírios no peito,
Escrita com rosas e amor-perfeito;
E sela no centro com dois pombinhos…

E quando a tristeza ainda a afeito,
Bordado em límpido no branco eleito:
Enxuga com ela teus lindos olhinhos!


Carla Bordalo
















Amor (in) abalável

Subi a emancipada via da fantasia,
E n’ algodoeira rama por lá me quedei.
Em novelos cristais daquela abadia
Olhos meus, castanhos, lá os cravei.

E sentada no divino oco da poesia
Na rima versada ao vento, exaltei;
Promessas de um anjo que a cantaria
Ao teu ouvido, na chuva a espalhei.

Pousou no poeta que a soube alcançar;
Poisou na amizade dos meus a brilhar;
Pairou por aí… espalhando harmonia!

Naufragou pelo leito do rio ao mar;
Brotou pelo campo capaz de entoar;
Mas em ti meu amor… jamais tocaria!


Carla Bordalo
















É Hora Saudade, É Hora

É hora de deixar a velha saudade à porta,
Lá fora esquecida no mundo perdido.
Está na hora de a algemar entre um livro,
Deixar abandonada a tristeza… já morta!

Não sei se por ti esperarei, saudade,
Muito menos sei se me irás escoltar
Por renovados mundos de perpetuidade,
Entre saudades e dores a desvendar.

Chegou a hora de a sentires no peito,
Chorar como quem chora de despeito,
Nas vestes envergadas p’lo vagabundo!

Chegou a hora de experimentares morrer,
Como quem morre na alma… só para nascer.
Cantar a saudade do poeta … no seu mundo.

Carla Bordalo
















Soubesses Tu, Meu Amor…

Se a urze da serra meus olhos enfeita,
Da água nascente teu corpo o sacia.
Também meu amor, tuas mãos o aceita
Em tornear beija-flor, no sonho nascia.

Subisses comigo à montanha mais alta,
Na nascente fresca tua boca estaria;
Tentando talvez encontrar o que falta
Num amor só nosso… por mais um dia.

Caminhasses ao lado por entre colmeias,
Desviássemos juntos, giestas e teias…
E em violetas brancas, eu já me sentia.

Soubesses antes encontrar nas giestas,
Um breve perfume acrescido nas heras…
Que em meus braços agora, já eu te acolhia.

Carla Bordalo



 

















Por Mais Uns Dias

Chuva miudinha que cai sem parar,
Em campos vazios que eu nada plantei;
Chora comigo num turvo abraçar,
Cegueiras passadas que já semeei.

Chora no vento sem ver descansar
Nos campos e montes por lá caminhei,
Enterra sementes no seu respirar,
Desfaz ilusões… que eu já repousei.

Derramas as bagas em sonhos assentes,
Nas quedas de água transbordas das fontes;
E estendes por terra, mais fantasias…

Entranhas mais sonhos vazios nas mentes,
Mergulhas nos corpos purezas ausentes;
Mas deixa-te estar… por mais uns dias.

Carla Bordalo

















Insónias Agitadas

Vento que bradas lá fora… aterrador!
No escuro obstinado em ecoar,
Amainando o grito da noite anterior
Das calhas gastas no assoprar.

Suspenso na vitrina, tréguas de dor,
Atiradas pedras, opressão de acalmar…
Chamas, vento? Já oiço o teu clamor!
No peito o empenho do mendigar.

Aos apelos vergado o sentimento;
Segurei nos impulsos de atirar ao vento,
Noites mal dormidas, insónias… agitadas

Rendida, abri frestas ao tempo;
Soprei a calmaria do entendimento,
Partilhadas, por esta noite… acalmadas.

Carla Bordalo




















Nenúfares Momentos

Rio que colhes em calmas correntes,
Braços ternos de bruscos movimentos
No aquieto banho de águas assentes,
As lágrimas marcadas p´los sofrimentos…

Estende-me meu rio… tuas mão ausentes,
No teu leito derrame… nenúfares momentos.
Nas ervas malvas rosas e envolventes,
Chagas vãs de etruscos esquecimentos.

Se me acolheres nas gélidas brisas alvas
Dos mergulhares trajectos de vidas salvas,
Prometo que em teu manto… eu me prendo.

Se me prenderes em ti nas termas mornas
No teu resguardo brilho de frescas ervas,
Confesso que me apago… que me rendo.

Carla Bordalo









Amendoeira em Flor

Quem quererá desfrutar destas flores
P´las terras do Douro em rio que corre?
Deslumbre de aromas encantos de odores
Salpicos de rosa, em branco que envolve!

Jardim fascinado germina em amores
Em braços teus, Princesa recolhes,
Tamanha beleza de adorno e cores…
Expandes alvuras em sonhos que acolhes.

Pureza da Beira, em teu branco nascer;
Alegres de orla, em teu rosa crescer;
Fascinados por ti… em teu esplendor.

Encantas nas linhas, viagens tecer;
Frescos jardins … deixai-nos morrer,
Cativados por ti… Amendoeira em Flor!

Carla Bordalo














No Dia do Pai

Não nasci rica, nem tão indiferente,
Mas o doce docinho hoje vou premiar,
Um mimo, um carinho que fique p’ra sempre;
Ao resto da tarde, a noite alargar.

No Dia do Pai vou dar um presente.
Um muito caro que não hei-de comprar,
Vou dar um poema não muito valente…
Mas vou demonstrar que vos sabem amar!

O meu Pai merece, tal como os demais,
O Pai dos meus filhos, merece bem mais.
Todos merecem! Foi só p´ra rimar…

Os Filhos não devem esquecer os Pais;
Os Pais não esquecem os Filhos… jamais!
E quero com o poema…Os Pais agradar.

Carla Bordalo












Ego de Adolescente

Cabelo comprido de jeito apurado,
Roupa de marca, casaco talhado,
Tique no rosto, difundindo vaidade
Imprudente menino, próprio da idade.

Dança na vida em questão dos porquês,
Sem filosofia, nem olhas, nem vês;
Psicologia rasca de vagos enredos;
Respostas agudas… actos azedos.

Nas entranhas do ego de adolescente,
Descobre o Eu Ser … inteligente!
Convindo a si próprio na forma de estar.

Pais impõem intragáveis orientações;
Professores depõem intrincadas lições;
Estudar, educar, ralhar … quero é brincar!

Carla Bordalo
















Mochila às Costas

Menino pequeno, menino mimado
Chega a casa e só quer brincar;
Larga os livros por todo o lado;
Brinca, joga e não quer estudar.

No ir para cama é preciso ralhar
Sarilhos à solta de quem cá mora…
Mas pela manhã não quer levantar,
Rabuja, esperneia, grita e chora!

Água no corpo, banho tomado,
Roupa bonita, todo aprumado,
Cabelo lavado… esquece o sabão.

Vai para a escola todo arranjado
Vamos embora, estou atrasado!
Mochila às costas, lanche na mão.

Carla Bordalo
















Pequena Criança

Perdidos na noite, alheios a tudo…
Desviam olhares, lábios de mudo.
Abstêm ver-te, Criança assustada,
Pedindo esmola por entre quem passa.

Estendes na mão pequena e suja
Migalhas do nada… em teu coração.
A fome aperta em pequena barriga,
Pedindo moeda… esmola de Pão!

Pequena Criança, tão só e tão pobre,
Em rosto manchado, a lágrima escorre.
Que vida madrasta, sem esperança!

Um Lar de Criança em noite que cai,
Calor de Mãe, carinho de um Pai…
Repleto de Amor… Pequena Criança…

Carla Bordalo
















Serenatas Sós

Na fonte romana, perdi-me de amores
Quando um dia por ela passei.
Por lá ficaram meus olhos na fonte,
Chorando lembranças por quem eu cá sei.

Na antiga fonte, apeei minhas dores,
Quando um dia nela as lavei.
Por lá ficaram gravados amores,
Na água da fonte saudades deixei…

Gloriosa fonte de nossos avós;
Testemunha nobre de serenatas sós;
Guardando imponente… pretensos amores.

Por lá retornei este meu caminhar
Na gloriosa fonte lá fui relembrar,
Coisas só minhas… alguns dissabores!

Carla Bordalo
















Querido Amor

Perdi-me no tempo …morri de saudade,
Escrevi lembranças a cada momento.
Nada destrói tamanha verdade
Valores do peito em meu sentimento!

Deus meu, permiti, que eu sem pecado,
Esteja presente… e sempre a teu lado.
Que seja uma musa brilhando a amar,
No auge infinito em teu caminhar.

Se em ti encontro, inspiração e sonho,
O meu coração, nas tuas mãos o ponho,
Em ponto seguro, Querido Amor!

E do amor que me tens… poemas singelos;
Do nosso viver… sonetos abertos;
A ti os dedico… meu marido…minha flor!

Carla Bordalo

















No Brilho da Noite

Desperto na luz da noite estrelada
Do som do quarto arraigado à janela
A lua vai alta… lá fora…
E no brilho da noite, enfeitiçada.

Desço as escadas de traje nocturno,
E em pé ante pé… Sorrateira espreito
Aproximo os atendidos à lua
Juntando o meu testemunho ao dela.

Movem-se sombras, silenciam-se gritos,
Olhares agitados… e quase aflitos!
Abraços em laços, carinhos partilhados,

Em gestos abafados, sitos, galantes…
Trocados os beijos, promessas de amantes,
Em doces ensejos e íntimos… enamorados!

Carla Bordalo
















Molide à Cabeça

Aninhas vai só, lavar na ribeira.
Molide à cabeça o peso sustenta,
O sujo da roupa em pernas moídas
De anos contidos na vida inteira

Arrasta com ela escova e sabão
Molha, esfrega, cora e branqueia
Ensaboa na pedra, joelhos no chão
Lava na água que traz a ribeira

E pelos caminhos de terra calcada
Segue com ela a idade avançada
Apressa o passo, a noite cai…

Aninhas, seus anos na água deixou
Juventude passada, a água levou
Ana Maria, velhinha, lá vai…

Carla Bordalo





















Noite de Magia

Passeio na rua da aldeia fria
Deserta que no cair da noite fica,
Recolhem-se gentes cansadas da lida
Aquecem a casa acendem fogueiras,

Gelando e tremendo sem arredar pé
Fico quieta esperando que alguém,
Repare no mesmo que já notei…
Enfrente o frio e o sinta também!

Aquilo que eu sinto, tanta alegria
No qual me parece sendo magia,
Cobria a rua com o seu véu…

Menina de gorro, jovem de trança
É alegria de gente criança,
Flocos de neve vindos do céu!

Carla Bordalo




















Um Punhado de Gente

Recolho em carinho um punhado de gente,
Vivendo arrabalde do alheio consumo.
Calos nas mãos em corpo sofrido,
Divina afazeres no pão adquirido.

Calor que desperta em dias tão frios…
Trabalho suado em volta do campo,
Merecem conforto, sossego e descanso!
Pessoas atentas à luz do vazio…

Mortas saudades de quem já partiu,
Bradando no vento com tanto vigor,
Bordando emoções a quem cá ficou.

Agradecem a Deus o pouco que têm,
Que gastas em mãos da terra colheu,
Fartura esbanjada por quem semeou…

Carla Bordalo




















Ciúme

Ciúme que atormenta;
Em paixão que ainda enlaça;
Incerteza leviana,
De utopia que embaraça.

Beleza que apoquenta
Contratempo de enfeitar.
Flor primária desabrocha
Impedida de amar.

Borboleta que lhe toca…
Acometendo com jeitinho
Sem vontade de soltar.

Insectívora que se loba
Cerrando bem de mansinho…
Para só encarcerar.

Carla Bordalo





















Em Fina Esperança

Se os meus olhos choram em desconhecer
Atalhos mais curtos na vasta distância,
De mundos iguais em direcção ao saber
Também na razão vos pede a criança.

Poderia algum dia, deixar de o fazer?!
Soubera eu, da mais pequena estância…
Acolhendo o mundo num só conhecer,
Ao coração dos homens… em fina esperança.

Olhai Senhor, hoje e sempre pelas crianças!
Permiti-lhes leitura, contos e lembranças!
Que brinquem e sonhem, criem fantasias.

Aos pais dos menores, Senhor… seguranças;
Professores e escolas… mas sem ganâncias,
Em comum futuro… albergando alegrias!

Carla Bordalo
















Paixão Racional

Leveda a alma ressequida pl’a malga;
Servida em talos grossos duma sopeira.
Que o enchimento numa cultivada dádiva,
Sempre embriaga a tua moça solteira!

Afeição, germina o trigo de cada dia
P’lo pão azedado em água fina fervida;
Orvalhada, pelo sal que a deglutina,
Na farinha apurada… uma grainha!

Ó padeira, amassa de fermento o teu pão
Que o forno, já a aqueceu em curta palha;
E a fermentou como a chama do tição!

E sempre é da cozedura lêveda da razão,
Que do miolo interiorizado p’la traição
Sai queimado, no retirar dessa fornalha!

Carla Bordalo















Segredos Recolhidos

No semblante cristalino das nascentes,
Uma Estrela deslaça curso pela terra;
P´ra escorrem as mais sagazes correntes,
Confinantes, no luar da amena Serra.

Das águas avultadas pelas pontes,
Muito pranto branqueou, já nesta era…
Desbastado o Mondego pelas mentes,
Civismo que te ensina, também erra!

Pois das impurezas que o Rio já juntou
Decorrendo junto à Foz, que as outorgou,
Desaguaram na Figueira, em maresia.

Acolhido em seus braços segredou;
Ao mar o enfadado filho, desafogou!
Serenando-lhe o Oceano: Mera fantasia…

Carla Bordalo















Protagonismo da Alma

Os joelhos fustigam no chão já cuspido
Ao raciocínio sagrado que lhe amamentou.
E pelas ventas, se vomita um anjo caído
Que as vendas da alma, há muito trocou.

Já a plateia desvenda o veneno escondido,
Do protagonismo comprado que já deslizou…
De vaidades espelhadas ao demónio ferido,
Com injurias feridas a quem lhe criou!

Foi a mancha de escárnio quem denunciou;
A desonra profana, que do trigo já separou.
Da ganância cobrada… ao ciúme enaltecido.

O pobre, a Deus agradece o pão recolhido
De olhos postos no céu, o bem recebido.
Outrem, ao diabo reza que valores permutou.

Carla Bordalo
















Soberba dos Pobres

Reparos no desviar que não viram
Quando os olhos fixaram os seus;
E num auge, pela rua lá seguiram
Revirando apatia até aos céus.

A manhã acorda envolta em plebeus;
Em pecados do domínio, que deixaram
Para trás, na soberba de um adeus
Que na virtude do pão já mendigaram.

Pois na altivez dos sonhos se entregaram
Vai-te embora ó saudade… dos olhos teus,
Que a fome os pedintes inventaram.

Pois se no colo os pais já carregaram
Sobre as lágrimas de quem olha Deus
Como podem ser salgadas… filhos meus!

Carla Bordalo
















Luxúria Repartida

Anoitece a esperança em teu rosto
Ao tombar na ilusão… da ladainha.
Já impera a tristeza como monstro
Se te vejo expirar assim sozinha!

Irrequieta na esquina, uma menina!
A beleza com que enfeitiça o sono:
Sorri por fora como uma abelhinha;
Chora por dentro até ao sol-posto.

Um dia, passarás a ser rainha
Dum prazer carnal de libelinha,
Repartidos em luxúria de desgosto.

O tempo, escasseia na mocinha
E nem se trocam anos de velhinha,
P’las rugas desenhadas em teu rosto.

Carla Bordalo





Se o Sol não nascer, será sempre noite

Se o dia sofrer um fracasso
Fracassar é elementar
Do desgosto ao escasso
Da tua boca alimentar

Se o Sol brilhar no teu dia,
Amor teu que sorte seria
Decerto asas de aço
Algo brilhante a voar

Se o Sol não nascer um dia,
Teu coração morreria
Nada teria para dar

Mas se o Sol nascer um dia
A tua alma já sorria
E já poderias esvoaçar…


(para Borboleta Azul)

Carla Bordalo




O Teu Sorriso

Levantas as mãos em ninho
Olhas o horizonte no nada
Em que pensas… fofinho?
Se pouco falas e palavra dispara…

Mas se sorris, é para mim,
Ou sorris apenas para nada?
Faz-se noite quando deixas por fim
De sorrir, alegre em quebrada

Porque quando sorris o Sol nasce
Na longa linha que nos separa,
E eu, miserável, parada.

Sorri, sorri sempre para mim
Faz com que o frio tenha fim

Sorri, porque me sinto gelada.

(Ao Tiago)

Carla Bordalo