Poesias

"A beleza das coisas está no espírito de quem as contempla. " (David Hume)

"É preciso saber olhar para os olhos de uma criança para saber o que vai na alma." (Torrente Ballester)




Poesias VII



No canto do Rouxinol

Se abrires as passagens do teu palácio,
Preencho as janelas com raios de sol.
E nas levezas femininas deste prefácio
Empresto à lua o canto de um rouxinol.
Ilumino assim, o coração enfermo e panarício,
Com o feitiço circular do Girassol.
E se me quiseres como rainha da colmeia,
Devolverei aos teus lençóis, os braços de Euricleia!


Pingo de Dor

Pacatas linhas traçadas pela dor
Que no meu peito assentam sem pudor;
Em implacável feição de me adorar
Encarregue na agulha de me atormentar!

A dor do peito malfazeja

Imponente, exaltas em mim com alvor
Sementes de sésamo em bico de beija-flor.
Sublime, entras na minha vida sem olhar
E perduras, mesmo que implore a destilar!

Em lágrimas caídas pela inveja

Cruel, em picadas de sonho atormentador
Das noites mal dormidas em suor,
Em gritos abafados me fazes arrepiar;
Com dores no corpo a temperar!

A minha cabeça numa bandeja

Aqui me expiro até ao sol se pôr
Em brancos lenços ao teu dispor:
Sem pulmões finados a respirar,
Maldita gripe prisioneira ao espirrar!

Talvez um chá de pé de cereja…


Coração Aprisionado


Apagada,
Caminhei entre zonas agrestes e secas
Tapadas de matagais e oliveiras crescidas,
Entre pedregulhos nativos.
Pisando os frutos

Escurecida,
Andei por terrenos áridos e desertos
De silvas e amoras pretas emersos,
Rompendo aos sonhos.
Desflorando os espinhos

Exausta,
Orientei os braços na escuridão do tempo
Desviando maçadas de colo sedento,
Nos melhores terrenos tratados.
Seios amargurados

Vendada,
Troquei as vendas por fantasias mortas
Sepultei a sete palmos em terras gastas,
Os moribundos acamados.
Calvos inacabados

Cega,
Vendi os olhos aos passageiros do vento
Massacrei torturas sem desalento,
Em verdes vales deixado.
Coração aprisionado


Cem avós, Sem Netos!

Felizes daqueles que não viram ninguém partir
Esvoaçando pelo ar num rasto de fumaça,
Na emboscada liberdade ao encontro dos seus.
Aqueles, que abalaram um dia pela madrugada
E não disseram nada!
Num dia brilhante ou numa manhã cinzenta,
De sol escondido e inseguro ainda pela madrugada cerrada,
De uma chuva a premiar muito baixinho um segredo
Miudinho ao coração de quem fica.
Apenas para quedar e segurar as lágrimas
Que teimam em cair teimosas, as ingratas!
Felizes dos pequenos que na sua infância assentam os olhos
Em reconfortantes abraços nos sentidos mais apurados
Dos corpos apertados num só amor:
Aos olhos dos antigos que cá ficaram.
Nos troncos das meiguices gratificantes e sábias,
Envoltas aos ramos da grande árvore da experiencia
Conhecedoras das emoções, que vos recebem de porta aberta
No conforto de palavras conselheiras.
Desgraçadamente, de quem não os teve!
Em momento algum conheceu a ternura de um abraço quente
E duradouro. Talvez lembrando o sabor a chocolate
De uma cevada acabada de preparar e ainda ferve…
Acompanha com pão cozido pela manhã,
Um pouco de queijo de ovelha e cabra
O doce de ginja e uma tigela de marmelada.
Nalguma casa humilde e pequena,
Nobre em amor, conforto e carinho
Enfeitado com o cheiro de bolinho de chocolate em pequena fatia,
Depostas sobre a farta mesa umas douradas farófias
No paninho branco de linho bordado,
Em finas cores, ou o já remendado
Pano de algodão manchado de estar arrecadado,
Numa grosseira estopa torcida
Pelas mãos aplicadas das vossas avós!
Ai daqueles que a solidão transporta
Desconhecedores, da liberdade imposta
Desde os tempos versados na origem!
Derrotados, para onde ireis netos, sem lar de avós?
Cansados, por onde andais vós, avós… sem netos!
E quem não os tem, nunca os teve?
Premiai da vida a vossa solidão em grandiosos abraços
Em virtuosos olhares de amor em corpos meninos,
Dos rostos pousados nos braços animados.
Ai daqueles olhos novos e brilhantes
Ai daqueles outros já vividos em inquietude,
Por anos enrugados e escondidos entre os óculos
Da solidão imposta ao convívio da juventude.



Menina de Angola

Pequena criança quer tanto ir à Escola
O a e b, o c e o d tu vais aprender…
Menina pequena desperta e acorda,
Está na hora… Não se pode entreter!

Vai para a escola, menina de Angola,
Aprende a contar, somar e escrever!
Encontra criança, os sonhos da escola;
Aventuras, contos e histórias para ler!

Desenha e escreve, brinca a aprender
Recorta e cola, sorri e joga à bola!
Corre pelo átrio, salta e galhofa…
À cabra-cega, pião, eixo, num ir e volver!

Sai pela manhã, a mãe fica a ver
Lindos olhinhos de amor e carinho.
De regresso a casa, ela vai-te encher
De braços abertos… com muito miminho.

Em passinhos miúdos tu vais aprender
Assuntos novos e engraçadinhos;
Aventuras incríveis no ler e querer,
Ou poemas de amor a um rapazinho!

Menina pequena de rosto lavado
Vai para a escola em jeito engraçado;
Menina bonita, cabelo frisado
Leva também um beijo embrulhado!



Morte Certa

Escuto a conversa de muitos ao som abafado de lágrimas
Que escorrem pelos rostos sofridos de outros.
Aos rumores gastos e perdidos
Daqueles, que os pálidos olhos já não choram
E as palavras, arrancadas de dentro, como quem arranca
Uma árvore centenária a uma grande flora perdida no tempo…
Da bagatela arrasadora.

Leio por aí escritos sobre a contemplação da sua agenda:
“Bateu à porta, chegou a hora!”, relatam indignados.
Desgostosos e revoltados com a crueldade desta aos seus,
Dos mais entes queridos que aplicou aos seus amigos…
Descreve-se a morte vadia que nos devora
Pela pele mais fina e desprotegida da argola…
Mas que nos elege.

Escrevemos sobre a extinção certa que nos incomoda
Quando visita um vizinho, parente afastado ou conhecido.
Mas raro se lê poesia de algum vagabundo que morreu à nossa porta,
Aquele mendigo esfarrapado, e de barriga encolhida da frente até às costas.
Aqueles que dormem nos caixões de papelão mesmo aos nossos pés
Quando refugiamos o olhar ao outro extremo…
Donativo envolto em esmola.

Medra a ideia desta ser uma inimiga
Culpabilizando a insultuosa saudade da dor e sofrimento:
Causativa insensível… uma cabra aos nossos sentimentos,
Um monte de esterco que não se deseja por perto
E no entanto, já nos revela em segredo estarmos próximos da partida
Que nos embala na nossa sorte…
Aos corpos depositados sobre a cama.

A morte levou-me os velhos, os novos, os avós
Os tios, as tias, os primos e os amigos.
Os adoptados tios e avós, os por afinidade padrinhos!
Não deixou nenhum idoso com quem cresci.
Um a um vai levando o sofrimento físico e mental dos angustiados
Por falta de morfina que lhes aliviasse tantas dores…
Perpétua cortesia.

Sabem daqueles que ficam no excremento da sorte imputando a Deus
Daqueles que acolhe de braços abertos a nossa mãe
Tirando o padecimento de vez?
Aqueles que me levou! Tantos, mas tantos que já nem sei…
Tantos jovens que se foram… Que vou pedir uma mão a outra mão
Para contar aqueles que já cá não estão!
No cosmo dos acesos.

Para quê, repisar as datas infelizes dos acidentes
Assassinos, afogamentos, overdoses, cancros aflitivos,
Filhos sem mães e mães sem filhos
Em que quase fujo quando os vejo assim perdidos
Quando me vêm e vêem até mim como uma filha,
Já mãe, na espera enquanto a morte nos consome….
Se é a existência que nos impulsiona.